O professor Matheus Gutierrez é o nosso colunista da semana e fala sobre reflexões acerca do projeto Escola Sem Partido.
Função da escola e o Escola sem Partido
O projeto de lei Escola sem Partido já rondou e ainda ronda as casas legislativas federais, estaduais e e municipais, inclusive nas cidades de Jundiaí e região. Tal projeto defende a hipótese de que nas escolas, principalmente as públicas, acontece doutrinação política-partidária, em que os professores impõem sua ideologia aos alunos e, portanto, é preciso restringir que o professor fale sobre o conteúdo de forma “neutra”, sem expressar suas opiniões. Existem diversos artigos e autores que discutem claramente como esses argumentos são falaciosos, mas basta conversarmos rapidamente com um aluno, de qualquer ano de sua formação escolar, para percebermos que a reprodução epistemológica política raramente é a do professor, além de ser impossível um professor “neutro”, pois quando trabalhamos com discurso, tanto oral quanto escrito em livros didáticos, estamos expondo uma interpretação dos fatos, assim, quebrando a neutralidade.
Portanto, de forma histórica e constitucional, ou até mesmo de um empirismo simplificado discutido nesse pequeno parágrafo, podemos criticar tal projeto e perceber suas falhas conceituais. Porém, essa ideia se difunde cada vez mais no meio legislativo e nas discussões da sociedade civil, mostrando que precisamos debater mais sobre o trabalho educativo.
Para tentarmos nos aprofundar levemente nos debates sobre educação, comecemos do básico. Tire alguns segundos (ou minutos, ou horas) para responder essa pergunta: “Qual o papel da educação?”. Apesar de aparentar ser uma pergunta simples, ela pode gerar horas de debates e trabalhos acadêmicos e também nos dizer muito sobre o que carregamos histórica e socialmente. Muitas respostas podem sair dessa pergunta, como “formar para o trabalho”, “ensinar os conceitos básicos”, “formar nossos futuros cidadãos”, “mudar nossa sociedade”, entre tantas outras.
Analisando as possíveis respostas, assim como alguns autores o fizeram, é possível agrupá-las em dois grandes grupos: as concepções que entendem que a nossa organização política e social deve ser mantida, que vivemos em uma sociedade que não demanda críticas; e as concepções que veem o nosso meio histórico, político, social e científico como passível de crítica, que é necessário repensarmos, recriarmos e ensinarmos criticamente sobre o mundo em que vivemos. Historicamente, a escola foi criada e desenvolvida para atender a primeira concepção, e apesar da organização formalizada ainda se aproximar dessa concepção, existe a possibilidade do trabalho de ambas as epistemologias, afinal, entendemos que a escola é um ambiente de pluralidade de pensamento.
No ambiente escolar, é comum existir professores que epistemologicamente vão se aproximar com uma das formas de se pensar educação. O que o escola sem partido busca é censurar e eliminar o pensamento crítico, que busca a mudança, a emancipação e a cooperação, fixando-se em modelos ultrapassados, que se assemelham com a produção industrial do século passado e não com o processo criativo da educação. Precisamos sempre fomentar o diálogo, e existem vários aspectos desse projeto que podem e devem ser trabalhados, mas não podemos aceitar a censura a uma das principais características do trabalho do professor: a sua autonomia de trabalho.
Matheus Naville Gutierrez é professor de Ciências e Biologia, formado pela UNESP – Campus de Botucatu. Atualmente faz parte do programa de pós-graduação multiunidades em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP. Participou de movimentos estudantis e educacionais, e hoje atua na ONG Cursinho Professor Chico Poço.
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